QUANDO MONAWA RETORNOU À ALDEIA NÃO ENCONTROU MAIS SEU IRMÃO YEPÁ, QUE HAVIA PARTIDO junto com mais alguns guerreiros em busca da Mudurucânia, onde deveria reencontrar seus amigos e propor uma aliança entre o povo mundurucu e os caboquenas. Levavam ordens explícitas de Meyki para convidar os guerreiros dessa tribo a visitar o rio Orowo, grande sortimento de comida e presentes a serem oferecidos como prova de confiança.
Yepá era o líder da expedição, mas estava acompanhado de homens de confiança de Meyki, entre eles Pariti, o rastreador experiente que servira Uataçara e se mostrava agora um fiel seguidor das ordens do novo maioral caboquena. O grupo partiu com algumas canoas seguindo a correnteza rio do Orowo e de lá percorreram os labirintos do Marupá até atingir as margens do Canaçari, bem acima da foz do Puruzinho, evitando assim passar diante de alguma comunidade guanavena e revelar o segredo da expedição.
A travessia do Canaçari foi penosa, porque ventos fortes e contrários retardaram o avanço das canoas e os valentes caboquenas tiveram de usar de muita força até vencer os banzeiros, numa viagem arriscada devido à altura das ondas. No final da tarde chegaram a outra margem do lago e procuraram uma praia onde montaram acampamento, mas não puderam fazer fogo porque este era um local de perambulação tanto de guanavenas quanto dos temíveis muras e um encontro com qualquer um dos dois grupos poria a expedição em risco. Caso fossem vistos pelos aliados, o segredo da missão estava perdido, se o encontro fosse com os inimigos, a morte seria certa.
Os caboquenas se embrenharam no mato e passaram a noite pendurados nas altas árvores, escondidos dos olhos dos homens e das feras. Sua presença neste local seria breve, uma simples passagem aos perigos maiores que encontrariam quando cruzassem o grande rio Amarelo e penetrassem em território mura, a caminho da Munducânia.
Estavam numa pequena faixa de terra, espremida entre o lago e o imenso rio, por isso, na manhã seguinte, Yepá e Pariti deixaram seus companheiros no acampamento e saíram caminhando em busca de um furo, por onde pudessem passar com as canoas até o rio. Percorreram uma manhã inteira, seguindo do lado onde o sol se punha, e quando a tarde já se anunciava com o canto dos periquitos inquietos finalmente viram a terra se abrir e a passagem procurada se mostrou aos olhos dos dois guerreiros.
Yepá e Pariti se certificaram de ser esta mesmo a passagem que liga o rio ao lago e então retornaram ao acampamento com a novidade. Eles se juntaram ao restante dos companheiros e no mesmo momento decidiram seguir adiante, embarcando nas canoas e rumando até o furo. O grupo navegou pelas margens do lago e só procurou descanso quando a noite se tornou na escuridão impossível de ser vencida. Os caboquenas buscaram abrigo nas margens do lago, mas estavam próximos do grande rio Amarelo, distância superada com apenas alguns passos, e ali ficaram, tentanto observar o movimento das embarcações muras, mas apenas viram que nesta noite os inimigos não passaram pelo local.
O dia amanheceu debaixo de forte chuva, mas os guerreiros caboquenas resolveram seguir adiante na missão. Eles montaram nas canoas e foram na direção do furo, mesmo sob a inclemência do clima. Para Yepá, a chuva serviria de camuflagem a eles, que remavam com vigor entre o igapó e as barrancas do lago, cruzando caminhos nunca navegados, porque seu território estava distante do grande rio Amarelo, até que Pariti deu o alarme e, finalmente, encontraram o local da passagem.
- Tens certeza que é aqui a passagem? quis saber Yepá, preocupado pois já remavam há bastante tempo e a chuva escondia tudo a volta deles.
- São aquelas castanheiras, respondeu Pariti, a da ponta é a maior de todas.
Os caboquenas mudaram o rumo das embarcações e embicaram para a margem, procurando achar o caminho até o rio. Pariti deu um grito de felicidade quando viu um galho de ipê derrubado na água e comentou ser este o sinal da entrada do furo. Os índios ficaram mais ansiosos e remavam com força, rompendo o entrelaçado de galhos e cipós que impediam uma navegação mais rápida. As canoas atingiram o pequeno canal empurradas por varas e quando adentraram nas águas tranqüilas do furo a surpresa foi maior: somente com a correnteza era possível avançar pelo caminho.
Aos caboquenas não foi difícil atingir as margens do grande rio Amarelo que estava iniciando a época da vazante e o lago derramava suas águas em direção ao rio. Yepá estava no comando da primeira canoa a chegar nas águas do rio e por um momento se deixou levar pela temeridade, ficando de pé na proa, gritando na chuva e desafiando os inimigos muras para a briga. Pariti também passou com sua canoa e se dirigiu até Yepá, advertindo-o dos perigos que todos agora estavam correndo, em pleno território inimigo.
- Não tenhas medo dos muras, companheiro! o perigo é sermos capturados pelas mulheres guerreiras e a tua velhice te condenar a morte, brincou Yepá com o velho rastreador caboquena.
A chuva torrencial dava tranqüilidade aos bravos que se sentirem protegidos dos olhos e das perseguições inimigas. Eles souberam aproveitar as condições favoráveis e cruzaram o rio, encobertos pelo temporal, que continuou caindo mesmo quando eles já navegavam cheios de cautelas pela perigosa margem direita, território onde estavam localizadas muitas aldeias dos muras.
Quando a noite caiu, os guerreiros continuaram remando, pois precisavam aproveitar a escuridão e seguir viagem rio abaixo. A chuva tinha passado e necessitavam se esconder durante todo o dia, só seguindo o rumo das terras dos munducurus sob proteção das trevas. Os caboquenas tiveram a cautela de navegar pelo meio do rio e camuflaram as canoas com galhos para que na escuridão da noite suas embarcações fossem confundidas com árvores caídas boiando nas correntezas. Eles não pronunciavam qualquer som, cruzando algumas aldeias com tantos terrores que o alvoroço de seus corações abafava o crepitar das fogueiras acessas no centro das tabas inimigas.
Os dias seguintes eram sempre da mesma forma. Aos primeiros raios da manhã, quando se desenhava os contornos nas margens, os guerreiros caboquenas buscavam o refúgio das ilhas no meio do rio, aproveitando para penetrar nos igapós e esconder suas presenças dos olhos inimigos. Continuavam sem acender fogo e por isso comiam os peixes moquedos, triturados com farinha e misturados à água, o chibé. Enquanto o sol brilhasse, ficavam quietos, dormindo no convés das canoas, enquanto outros vigiavam para evitar surpresa.
Os caboquenas descansavam sob a sinfonia dos pássaros que buscavam essas ilhas como fonte de alimentação, por isso era sério o risco de serem descobertos por alguma turma de caçadores mura e assim ficavam atentos para notar a presença dos adversários e surpreendê-los com um ataque. Eles estavam escondidos e contavam com o fator surpresa, bastava apenas vigiarem das alturas, olhando o horizonte do rio da copa das árvores mais altas e detectar a aproximação dos barcos inimigos.
Os caboquenas invocaram a proteção de Paharamim e por ele se sentiam protegidos, pois viram passar ao largo muitas canoas dos muras, algumas com números de guerreiros superior à tropa caboquena, mas sempre seguiam viagem, sem desconfiarem de que dentro do igapó se escondiam bravos de outras tribos, cruzando seus territórios. Yepá via-os passar sem esboçar qualquer reação, enquanto Pariti e os demais bravos açulavam o coração, amedrontados diante dos muras, mesmo quando estes cruzavam o rio por margens bem distantes.
Foi assim durante muito tempo, o esconderijo de dia e a navegação silenciosa à noite, avançando em território dos muras até atingir o rio Mawé, por onde deveriam seguir até as entranhas da selva, no coração da Munduracânia. Os caboquenas confiavam na capacidade de Yepá em encontrar a foz desse rio desconhecido em plena madrugada e ele não os decepcionou. Quando estavam navegando sob o lume das estrelas, simplesmente receberam ordem de parar e remar até a margem, onde deveriam ficar até o raiar do dia.
- Como podes saber que estamos próximos da foz desse rio? interrogou Pariti, fazendo um questionamento ao qual os outros guerreiros também gostariam de fazer, uma vez que na escuridão da noite não se podia distinguir sequer onde estava o nascente nem o poente.
- Sinto o cheiro de suas águas, respondeu Yepá aos seus comandados e eles simplesmente obedeceram cheios de descréditos.
Esperaram o dia nascer e sob a esplendorosa luz da manhã Yepá chamou Pariti para seguirem novamente sozinhos, em uma canoa menor, mais ágil e rápida, a buscar a boca do Mawé. Seria uma expedição perigosa, mas os dois guerreiros estavam determinados a cumpri-la mesmo pondo em risco as próprias vidas. Saíram do igapó remando próximo da costa da ilha onde mantinham esconderijo, mas logo tiveram de enfrentar o poderoso rio Amarelo e sua imensidão, expondo-se aos observadores muras. Seus corpos iam curvados e suas silhuetas quase se confundiam com as bordas da embarcação, tão dissimulados que vistos de longe seriam confundidos com um toco, e esta situação permitiu a eles se aproximarem da margem, só temendo estarem indo ao encontro dos inimigos, pois na posição como se encontravam não conseguiam observar direito as terras para onde estavam se encaminhando.
Chegaram na margem sem serem percebidos, mas continuavam correndo tantos riscos como se estivessem em meio às batalhas mais cruentas, onde em cada curva do rio podiam encontrar as tropas inimigas ou um pescador solitário, mas estando em território estranho, qualquer surpresa seria desagradável. Yepá seguia na proa, enquanto Pariti remava na popa, assustando-se diante de qualquer gesto do companheiro a sua frente.
Mudaram a tática de entrar nas terras dos muras sob o abrigo da noite e navegavam debaixo do sol, na tentativa de mais rápido achar a foz do rio Mawé e depois voltar e chamar os outros guerreiros. Demoraram alguns dias nesse intuito, mas o encontro com o rio foi inconfundível, diante das águas esverdeadas contrastando com a imensidão amarela do grande rio. Yepá sorriu em triunfo quando percebeu as primeiras nuanças de verde pintadas nas margens e logo ficou em êxtase quando a canoa penetrou no leito do Mawé, singrando as águas inesquecíveis por onde antes já tanto navegara o caboquena desgarrado.
- Este é o rio que buscamos, disse Yepá ao companheiro, sem conter o júbilo de comprovar o que sempre contara e tantas suspeitas levantaram.
- Eu sempre acreditei em ti, confessou Pariti, embora sua confiança em Yepá nem sempre fosse com a mesma intensidade como naquele momento.
Retornaram na calada da noite, na certeza de atravessar as terras dos mura são e salvo e chegar ao destino que buscavam, mas antes era preciso voltar até a ilha onde se escondiam os outros caboquenas, gastando assim mais duas noites remando rio acima. O encontro com os companheiros foi comemorado com alegria surda e a confirmação de Pariti, de que realmente o rio Mawé estava a apenas algumas noites de viagem, infundiu no coração dos demais caboquenas a mesma satisfação daqueles que avistaram o verde de suas águas.
A tropa saiu do grande rio Amarelo depois de duas noites se esgueirando pelos labirintos de ilhas e quando se encontraram dentro do Mawé remaram com maior intensidade, buscando se afastar o mais rápido possível do território mura. O sol surpreendeu os bravos remando fundo para vencer a correnteza contrária sem nada mais os assustar, nem a placidez das águas, diferente dos banzeiros aos quais eles estavam acostumados no vai-e-vém do rio Orowo e seus desafios à navegação.
Os caboquenas não mais se esconderam do sol e seguiam viagem rio acima, ansiosos por encontrar os mundurucus, tão comentados nas palavras de Yepá, que também remava a frente de sua canoa, enquanto relembrava as histórias de seu tempo de vivência na Mundurucânia. Cada lembrança servia como açoites e empolgava as remadas, e Yepá tinha muitas delas para continuar a narrativa durante dias a fio.
Os caboquenas avançavam pelo Mawé e se sentiam confiantes e protegidos, por isso navegavam durante o dia, reservando a noite ao descanso, quando acendiam fogueiras e assavam o pescado, contando e ouvindo histórias. Também estavam encantados com a beleza do lugar, por isso deixaram a pressa e passaram a se estender nas praias, se retardando em pescarias e caçadas, dormindo várias noites no mesmo lugar somente para acordar na beleza do sol nascente pintando as areias com cores diversas.
Foram dias de tranqüilidade até o encontro com os primeiros habitantes do Mawé e, embora pacífico, a desconfiança se mostrou recíproca, mesmo com Yepá falando a mesma língua e explicando que estavam em paz, buscando encontrar o cacique da tribo e entregar-lhe os presentes oferecidos pelo maioral caboquena. Eram comunidades afastadas da aldeia principal da Munduracânia, muitos dias distantes da fronteira do território, onde os caboquenas se encontravam. No entanto, este primeiro contato infundiu confiança aos visitantes, que tomaram rumo do rio acima, remando com mais disposição de chegar logo em seu destino.
Os caboquenas avançaram somente alguns dias e encontraram uma comitiva de mundurucus vinda ao encontro deles, pois já sabiam que estranhos penetraram em seus territórios a procura do grande chefe. Várias canoas com inúmeros guerreiros, todos armados para enfrentar qual inimigo fosse, mas também dispostos ao contato amigável, sempre em maioria e controle total da situação. Yepá se aproximou cauteloso e com gestos vagarosos, sabendo da pontaria certeira desses bravos, e prevenindo-se do receio mútuo não transformar em luta a intenção de amizade.
Quando estavam próximos e já no alcance das armas, Yepá ficou de pé na proa de sua canoa, mostrando-se inteiro, numa afirmação de paz ao expor o corpo aos desconhecidos sabendo que estes não o atingiriam. Assim foi se aproximando, falando palavras na língua dos mundurucus e perguntando por seus antigos amigos, que vinha em paz e trazia alguns companheiros de sua tribo, mas também presentes a todos, inclusive ao maioral.
Os mundurucus passaram a trocar palavras com Yepá, se entendendo através de gestos a remando em direção dos visitantes, mas agora com sorriso nos rostos e sem expressão feroz, embora a desconfiança ainda não permitisse abaixarem a guarda e nem descansarem os arcos. Um dos mundurucus imitou o gesto de Yepá e também se pôs de pé na proa de sua canoa, balançando os braços no alto a fim de se mostrar maior do que era, depois outros também se ergueram e somente os remadores ficaram sentados.
- É Wai’A, gritou um mundurucu, quando reconheceu Yepá e o chamou pelo nome dado ao caboquena durante sua estadia entre esses índios.
Logo todos os outros estavam chamando Yepá por seu nome mundurucu e quando as canoas se tocaram foram saudá-lo cheios de entusiasmos, reconhecendo um grande irmão de volta à tribo e trazendo outros de sua gente, confirmando de novo as histórias que contava aos novos amigos. Foi bem recebido e apresentou os outros caboquenas aos amigos e eles foram sendo reconhecidos e também receberam nomes novos, na língua local, cujos significados desconheciam, embora fosse usual serem apelidados por suas características físicas, por isso um se chamava macaco, outro cotia e Pariti, o mais velho entre os visitantes e experimentado no contato com a selva, foi nomeado de Onça Velha.
A viagem pelo rio Mawé até a aldeia dos mundurucus foi de festa, com os guerreiros conversando tranqüilos, sem a tensão do primeiro encontro, na mais estreita confiança e com as armas dispostas no fundo das canoas. Os índios locais riam de forma como os caboquenas remavam, como se estivessem atravessando fortes banzeiros, mesmo com as águas do rio calmas, quebrando diante do avanço da tropa. As gargalhadas se sucediam quando um imitava um bicho ou uma palavra mal empregada por Yepá arrancava riso entre os mundurucus, ainda fascinados com o espetáculo da visita.
De longe os caboquenas avistaram a aldeia principal da Mundurucânia e lhes pareceu maior do que nas narrativas de Yepá, se estendendo ao longo da praia e protegida por paliçada, algo estranho na concepção de índios acostumados a viver tendo como única defesa as areias das praias. Yepá explicou ser a fortificação para proteger contra ataques constantes dos inimigos e isto permitiu aos mundurucus conquistar cada vez mais territórios e agora serem donos da região do rio Mawé.
Na entrada da aldeia outros guerreiros vieram escoltar os visitantes e levá-los diante de seu cacique, Araweté, e este apareceu cercado por homens bem armados e foi ao encontro dos caboquenas, paramentado com suntuosas penas que dignificavam ainda mais a presença do grande chefe. Yepá se dirigiu ao maioral com reverência respeitosa, dizendo vir em paz e sob o nome de Meyki, o cacique dos caboquenas, detentores das terras do rio Orowo e inimigos dos muras, com os quais já travaram muitas guerras.
Araweté observava cada gesto do visitante e ao mesmo tempo cercava com os olhos os companheiros de Yepá, intrigado pelo fato de um estranho falar a sua língua. O caboquena continuou sua narrativa, mostrando os presentes oferecidos por seu cacique ao maioral mundurucu e explicando ser o motivo da visita uma missão de paz, cujo objetivo era apresentar os planos para uma possível aliança entre os dois povos, como era do interesse de Meyki, e a formação de um trato entre as tribos no combate aos inimigos comuns.
O maioral recebeu os presentes e distribuiu aos seus guerreiros, oferecendo as mantas de peixes para as mulheres prepararem a comida e chamando a conversa seus conselheiros e Yepá. O caboquena levou consigo Pariti e os dois se reuniram com os mundurucus, quando contaram com mais detalhes os planos da aliança a ser firmada entre as duas tribos.
Araweté escutou com atenção, inteirando-se de onde se encontrava o rio Orowo e se os muras eram inimigos de gerações dos caboquenas. Também queria saber quantos guerreiros poderia contar nas guerras e se estes eram preparados nas lutas, honrados na palavra e corajosos na briga. O cacique se mostrou impressionado quando Yepá lhe contou que apenas um lago separava as aldeias das duas tribos e que caboquenas havia tantos que muitas canoas não davam conta de transportá-los até a Mundurucânia.
Para afiançar sua palavra, Yepá contou ao maioral suas andanças pelas terras das mulheres guerreiras, depois disse ser amigo dos saterês, tribo da região do rio Mawé, antes inimigos dos mundurucus, mas agora vivendo em relativa paz. Yepá disse ainda que cruzara muitas vezes o grande rio Amarelo até chegar de volta em sua aldeia, onde contou suas aventuras e elas despertaram em Meyki o desejo de propor a amizade entre as duas poderosas nações. Por isso, naquele momento, firmava o compromisso de serem amigos para sempre e convidava uma comitiva de mundurucus a visitar o rio Orowo, levando a resposta ao cacique caboquena.
- Wai’A, tenho muito interesse em firmar aliança com teu povo, por isso, peço-te para descansar em minha aldeia e depois voltes à tua tribo, levando contigo minha palavra ao grande cacique Meyki, disse Araweté a Yepá, que recebeu entre sorriso o sinal positivo às suas propostas.
Yepá saiu feliz da oca onde se reunira com os mundurucus por ter convencido o maioral a aderir à aliança e confiante em sua sagacidade de levar a confraternização aos dois povos. Chegou perto de onde se encontravam os outros caboquenas e confirmou a decisão de Araweté de aceitar o acordo, tanto que estava designando uma tropa para acompanhá-los de volta ao rio Orowo. Os guerreiros vibraram de felicidade com a notícia e, mais ainda, por poderem retornar à sua tribo em mais proteção, agora quando teriam de cruzar novamente o território dos muras e, se estes descobriram rastros da passagem dos caboquenas, ficariam atentos para evitar novas invasões.
Os guerreiros passaram mais alguns dias na aldeia dos mundurucus, sob a hospitalidade de Araweté, ordenando tratamento especial aos visitantes e eles aproveitaram as belas praias do Mawé, descansaram e participaram das atividades cotidianas dos novos amigos. Yepá e Pariti foram levados às caçadas e retornaram com diversas queixadas, já outros caboquenas partiram em pescarias, encontrando lagos repletos de pirarucus e tucunarés que as canoas tiveram dificuldades em transportar.
Quando chegou o dia de partirem de volta à sua aldeia, os caboquenas foram abastecidos com mantas de peixes e caças defumadas e receberam como presentes cocares e utensílios usados nas caçadas. Duas canoas com guerreiros mundurucus acompanhariam os visitantes até o rio Orowo para fazer o reconhecimento do terreno e contar o número de bravos caboquenas que formariam a tropa aliada. Eles deveriam trazer relato de como viviam os caboquenas e se eram preparados para a guerra contra uma nação de valorosos combatentes, dominadores das margens imensas do grande rio Amarelo por sua força e por suas armas.
A Yepá ofereceram um presente especial, sabendo ele tratar-se de deferência dada apenas aos visitantes mais importantes, cujos poderes mágicos fortaleciam os homens com vigor na guerra e disposição no amor. O líder dos caboquenas agradeceu a Araweté o cesto cheio de bastões de guaraná e de sementes, deixando o cacique surpreso com seu conhecimento sobre as coisas dos mundurucus.
- Como que tu conheces nossa fruta da vida? indagou o cacique ao audaz guerreiro caboquena.
- Já vivi com teu povo, por isso me chamo Wai’A, respondeu Yepá.
Ele pôs na boca duas sementes e mastigou-as até se dissolverem na saliva, absorvendo as qualidades fortificantes dos caroços. Depois ergueu o paneiro até os ombros e o ajeitou nas costas, dispensando a ajuda oferecida por outro índio, não querendo se separar da carga preciosa. Yepá sabia o valor dessas barras, feitas de sementes piladas e moldadas nestas formas, que seriam raladas na língua seca de piraruru até retornarem ao pó e este, misturado na água, tomado em jejum, todas as manhãs.
- Basta raspar as barras na língua do peixe e recolher o pó, ensinou Yepá aos outros caboquenas, fazendo o trabalho diante dos olhos atentos deles. Depois o guerreiro bateu a língua óssea na mão e nela caíu o pó de guaraná, que num gesto, repassou-o da mão aos dedos e deu na boca dos companheiros, que aprovaram extasiados.
Os índios misturaram a massa na saliva e sentiram o sabor da fruta diluindo na boca, então engoliram tudo e logo seus corpos ganharam nova disposição de aventuras. Encorajados pelo vigor das frutas eles tomaram os remos e foram nas canoas empreender a viagem de volta, mas sem antes deixarem de receber cada um algumas sementes, que puseram na boca, trituraram nos dentes e foram absorvendo-as lentamente.
- Vamos, valentes caboquenas! gritou Yepá encorajando seus companheiros a seguir viagem. Com a ajuda dessas sementes vamos até o fim do mundo.