Depois de vencida esta primeira batalha, foi feito o convite formal aos caciques das tribos aliadas, com emissários de Taobara rumando até a aldeia dos caboquenas e dos bararurus, a fim de levar a notícia das núpcias entre o maioral dos guanavenas e sua jovem prometida. Seria necessário realizar novas alianças e fortalecer as antigas, porque o cacique, renovado em forças pela jovem esposa, passara a sonhar com as mesmas grandezas de antes da guerra contra os muras. Taobara pensava em realizar conquistas para cobrir de triunfo seu espírito e vestir de riquezas seu novo amor.
Para isso queria uma grande festa, com vários dias de comemorações e abundância de comida, como era costume na ilha Saracá, onde a fartura medrava em frutas, peixes e tartarugas. Mandou seus principais auxiliares saírem em busca dos acepipes, enquanto as mulheres tratavam de fermentar mandioca para o preparo do caxiri. Os dias que antecederam ao casamento eram de correrias, com índios subindo os rios em busca das melhores áreas de pesca, canoas se abalroavam no tumulto de desembarque de pescados, caças, tracajás, frutas e tantas outras prendas oferecidas pelos maiorais aliados. Chegavam comitivas com presentes e chefes das famílias dispersas na imensidão do lago para saudar o chefe guerreiro e prometer fidelidade aos seus objetivos. Todos queriam abraçar Taobara e ver a futura esposa, cuja notícia de beleza já havia rompido os limites do território guanavena e era conhecida até nas aldeias inimigas.
Em pouco tempo a ilha Saracá estava tomada por convidados vindos de todas as partes. Chagavam em pequenas canoas, alguns com presentes humildes, mas também desembarcavam em grandes comitivas, com várias naves e muitos remadores. A quantidade de louvores era tanta que apenas com muitos braços poderiam fazer chegar ao destino: aos pés de Taobara. O cacique guanavena recebia a todos com o orgulho impávido, convocando os aliados para novas aventuras e conquistas e falando com os de sua tribo como um pai prometendo ao filho uma herança infinita.
- Obrigado por terem vindo, repetia com cortesia a tantos que o foram abraçar, e a todos tinha uma palavra especial, uma conversa íntima, uma confidência amigável ou um compromisso por firmar.
Quando lhe perguntavam pela esposa, Taobara informava que ela estava sendo preparada para a cerimônia, mas em breve estaria ao seu lado, recebendo os convidados. Então oferecia aos recém-chegados a bonança das comidas e o alívio do caxiri para recuperar das longas remadas. Era dono de um sorriso fácil, embevecido pelo prestígio conquistado diante dos chefes e de seus guerreiros, porque se coragem fosse a medida para calcular o valor de um homem, Taobara a tinha em demasia.
Do outro lado da ilha, no Estreito, Cayabi se preparava para a cerimônia de casamento tomando banho em infusão de ervas, preparada pelas mulheres sob o comando atento do pajé, ao qual nenhum detalhe escapava. No entanto, algumas das mulheres não tinham fácil entendimento do por que das folhas do caimbé precisarem ser fervidas em potes feitos do barro trazido das cabeceiras do rio Itapani, que produzia uma cerâmica tão resistente quanto o seixo. E também que o tempo de fervura do caldo devesse ser do amanhecer até o nascer do outro dia, sempre em fogueira na qual queimasse a lenha da paracutaca. Mas Tawacã, agora aceita entre as mulheres e ativa participante dos afazeres da tribo, penetrava nesses mistérios e explicava que o barro branco do Itapani era finíssimo e assim produzia uma cerâmica capaz de resistir ao enorme calor da fornalha.
- Mas a lenha da paracutaca é porque a temos em abundância, explicava a filha do pajé às mulheres, impressionadas com a sabedoria da índia mal saída da reclusão.
Tawacã aprendia cada passo do preparo das infusões e não se preocupava em perguntar ao pajé sobre cada detalhe, se a quantidade de uma erva a mais poderia prejudicar a eficiência da sopa, ou se se acrescentasse mais algumas sementes modificaria o resultado. Ela estava ali para isso mesmo: deveria aprender com o pai os segredos da cultura de sua gente, e Nahpy explicava sem se incomodar com a interrupção de seu ritual.
- Passe-me as cascas do cajueiro, pedia o pajé à aprendiz e a filha corria a atender a ordem.
Buscava nos paneiros, remexendo entre folhas secas e sementes e revirando potes de óleos e banhas, então encontrava e levava para Nahpy. Estas coisas atiçavam sua curiosidade e ela queria saber qual efeito causaria na prima lavar-se com a infusão dessas cascas, cujo caldo vermelho assemelhava-se ao sangue diluído.
- Cayabi não é virgem, dizia o pajé, explicando as propriedades apertativas de seu banho, que deveria fornecer à nubente vitalidade para conceber e criar os filhos e fechar seu espírito contra os malefícios da inveja.
A mãe de Cayabi e as outras mulheres ajudaram na lavagem da jovem índia, cuidando para o caldo escorrer de seus cabelos aos pés, passando pelas costas e seios, alagando os quadris e coxas. Mas outras porções estavam sendo preparadas pelo pajé e sua filha. Era preciso ainda fazer o perfume com o qual Cayabi iria deitar-se em sua noite de esposa. A loção deveria ter um cheiro marcante para ficar na memória do marido durante muito tempo e assim evitar o interesse de Taobara em outra mulher. Era uma porção contra a infidelidade e sua fórmula era o segredo mais guardado de Nahpy.
O pajé preparava a essência com cuidado meticuloso. Se a mistura não obedecesse às medidas exatas das porções seu efeito seria imprevisível, podendo desfazer um casamento e comprometer a política de aliança que estava sendo selada. Nahpy misturava os óleos em pequenas cabaças, depois colocava o resultado em uma cuia maior, sempre mexendo em voltas coordenadas, para o sentido do redemoinho não sofrer alterações. Então deixava descansar o balanço, olhando o produto até ter certeza da mistura estar homogênea, depois levava ao nariz e aspirava uma lufada da emanação saída do recipiente. Conhecia cada eflúvio e distinguia um mais forte, que deveria ser neutralizado por outro elemento.
- Precisamos de mais flores de murici, colhidas do pé agora, disse Nahpy à Tawacã, e ela de imediato se lembrou dessas árvores na praia do Estreito e logo se prontificou em buscá-las.
Enquanto o pajé esperava a filha voltar com as flores foi se ocupar de outras tarefas, indo ver como Cayabi estava tomando seu banho de núpcias e checando a firmeza das flores na guirlanda que adornaria seu pescoço. Depois borrifou óleo de copaíba sobre cada pena do cocar da noiva, ressaltando assim seu brilho, fez uma benzedura em seus amuletos para lhe garantir ainda mais sorte, defumou com rolos de fumo as pedras brilhantes que seriam seus dotes na união e então percebeu que muito tempo já se passara e Tawacã não retornara com as flores do murici. Foi quando mandou um curumim verificar o atraso da filha, porque sem esses elementos o perfume da noiva estaria perdido.
O moleque não precisou ir muito longe para saber notícia de Tawacã. Outros que tomavam banho no lago viram quando um índio saiu de dentro da mata e raptara a filha do pajé, no instante em que ela descia da árvore onde fora buscar as flores maduras. Foi tudo muito rápido e a jovem não teve tempo nem jeito de desvencilhar-se do agressor, que a segurou pela cintura, colocou-a sobre os ombros, embarcou na canoa deixada na beira do lago e atravessou a pequena faixa de água que separa a ilha das terras dos caboquenas, sumindo na mata.
Durante a travessia a jovem ainda tentara se salvar jogando-se na água, mas o índio fora mais rápido e a colocou de novo a bordo puxando-a pelos cabelos. Ela pedia ajuda, se contorcia no fundo da canoa, gritava para os meninos salvarem-na das mãos do estranho e eles ainda tentaram socorrê-la, acompanhando a canoa a nado, mas as remadas vigorosas do guerreiro em pouco tempo colocaram os dois na outra margem. Então o índio pôs outra vez Tawacã sobre os ombros e embrenhou-se na floresta, de onde os meninos recuaram por se tratar de terras estranhas e retornaram a ilha com a notícia do rapto de filha do pajé.
Nahpy se encheu de ira ao saber do seqüestro da filha e deixou os banhos e as loções por terminar e os preparativos do casamento sem rumo. O pajé foi até o local do rapto e lá só encontrou diante de si a floresta imensa do outro lado do lago, mas mesmo assim embarcou numa canoa, acompanhado da molecada e de algumas mulheres, todos formando uma esquadra de curiosos, cruzou o estreito e, na outra margem, encontrou pegadas que desapareciam na mata.
O pajé sabia que não podia entrar no território dos caboquenas acompanhando de mulheres e meninos, ainda mais com todos falando ao mesmo tempo, então pediu para voltarem à ilha e, assim, preservar os rastros do fugitivo. Ele embarcou em sua canoa, rumando até a aldeia dos guanavenas, numa viagem difícil, contra os ventos e os banzeiros. A distância foi logo vencida, pois Nahpy empregara toda sua determinação para chegar na praia do Terceiro, onde encontrou as tribos confraternizando entre as fogueiras, comendo a fartura de peixes e bichos de cascos, embriagando-se de caxiri e saudando o poderoso cacique que se casaria com a mais bela índia da tribo.
- Viva a cunhã-poranga, gritavam exaltados os índios.
- Viva Taobara, respondiam eles mesmos.
- Viva Nahpy, saudou um índio solitário que viu o pajé descer da canoa acompanhado de seu séquito confuso.
A multidão então se voltou para Nahpy, neste momento já esperado por todos, porque seria ele a trazer a noiva, e se formou o corre-corre em sua volta, com gente perguntando em línguas diferentes onde estava Cayabi? O que tinha acontecido? E outras que ele sequer escutou. Outros índios vieram abraçá-lo, um agradecendo a cura de um ferimento de guerra e outro a solução de dores no corpo, mas todos igualmente embriagados, atrapalhando seu caminho, dificultando seus passos, impedindo que chagasse onde queria estar. Nahpy no início foi receptivo, passando a mão sobre as pessoas, enquanto cruzava a multidão tentando distinguir onde estaria o cacique, mas não suportando a angústia distribuiu alguns empurrões até reconhecer entre as pessoas o rosto de Warypa, um dos homens de confiança de seu irmão.
- Onde está Taobara?
O guerreiro estava sob o efeito alucinógeno do caxiri, mas mesmo assim entendeu a urgência daquela pergunta e afastou os que queriam tocar no pajé, levando-o com rapidez até onde se encontrava o cacique. Taobara estava sentado à sombra de uma paracutaca, ao redor dos maiorais aliados, provando da melhor comida e das maiores honras, sendo saudado por valorosos guerreiros e admirado pelas mulheres, que o sabiam corajoso na luta e abençoado no amor. O cacique viu Nahpy chegar e se levantou com um único pulo. Ao perceber a anormalidade da situação pensou que algo comprometera seu casamento.
O pajé contou a situação e os guerreiros se entreolharam com espanto, Eles estavam todos ali e foram dando conta de que os convidados bararurus estavam presentes, assim como os anfitriões guanavenas e os aliados caboquenas. Conferiram os nomes pelos amigos ao lado, reconhecendo-se, sem esquecer de ninguém, sabendo ali estar fulano e sicrano, até que passaram a contar os das outras tribos, até se darem conta da falta de um ou outro, mas que logo apareciam dentre a multidão. Somente um não se encontrava na festa e mesmo que gritassem seu nome ele não aparecia.
- Foi Monawa, comentou Meyki, o maioral dos caboquenas.
Os outros índios não se exaltaram, e até reconheciam o direito do bravo raptar sua esposa, seja ela filha de quem fosse, e não reagiram com indignação como esperava o pajé, que queria formar um grupo de rastreadores e perseguir o fugitivo. Taobara, aliviado ao saber que o problema não era com ele, tentou convencer o irmão a esperar até outro dia, quando poderiam ir à aldeia dos caboquenas e resgatar sua filha. Inclusive recebeu a promessa de Meyki de que em breve Tawacã estaria com ele, mas o desejo do pai era não perder tempo, por isso insistiu para o cacique indicar uns guerreiros e iniciar a busca, enquanto os rastros estavam frescos.
Aiauara estava deitado com Tananta em uma rede mais afastado da praia quando soube do rapto da irmã e logo foi ao encontro do pajé. Mas também não se interessou em caçar o guerreiro caboquena, porque também ele reconhecia como estratégica uma aliança de sangue com a gente da tribo de sua mãe, pois acalentava o sonho de aumentar seu prestígio entre os bravos, agora que estava casado e prestes a se tornar pai. Também pediu a Nahpy para desistir da busca e assim evitar ofender a família de Monawa, promovendo uma caçada a fim tomar-lhe dos braços a mulher escolhida para esposa.
Nahpy estava irredutível e não aceitava outra alternativa que não fosse a perseguição, por isso o cacique reuniu os maiorais aliados e ali escolheram alguns homens, entre os menos aptos, para seguirem o pajé até as margens do Estreito e iniciarem a busca ao casal, mas mesmo assim o pai desesperado ainda teve de esperar os bravos terminarem se comer mais um pedaço de peixe, ou uma pata de tracajá, ou mesmo mais um bolo de mandioca ou um gole de caxiri, e assim iam retardaram a marcha. Sempre faltava mais alguma coisa a ser colocada nas canoas ou era preciso conservar o fogo para o tabaco ou uma arma de ponta menos aguda a fim de não ferir de morte Monawa, caso esse reagisse à ação dos guerreiros.
O pajé colocou o grupo sob o comando de Aiauara, mas este não demonstrou pressa, indo se despedir da esposa como quem vai ali um momentinho e volta logo. Nahpy se impacientava diante da demora na transmissão das ordens feitas pelos maiorais, de entrarem nas matas e perscrutar cada trilha em busca de Monawa. Meyki conhecia muito bem seu território e indicou qual seria o melhor rumo do fugitivo, por isso ordenou seus guerreiros seguir pela beira, margeando os igapós. Se o fugitivo quisesse chegar à aldeia dos caboquenas, por ali seguiria.
Indignado com o tempo perdido no preparo da expedição, Nahpy empurrou os homens até as canoas, mandando-os remar com força a fim de chegar logo ao local do rapto e começar as buscas. Foi então que Taobara se lembrou de uma última recomendação, atrasando ainda mais a partida do grupo.
- Vou mandar buscar a noiva para iniciarmos o casamento, disse Taobara ao pajé. Espero que esteja tudo em ordem com os preparativos.
- Não esperem por nós, porque só voltaremos com minha filha, prometeu o pajé.
Taobara quis dizer outra coisa, mas foi impedido pelo gesto de Nahpy, que pulou da proa da canoa onde estava, caindo ainda dentro da água, no raso. Ele correu até a beira do lago onde estava o cacique e gritou diretamente em seu rosto.
- Minha filha acaba de ser raptada e tu estás preocupado somente com o teu casamento, vociferou Nahpy. É isso que é importante?
- É o meu casamento, respondeu o cacique lacônico, sabendo que estava se livrando de um problema maior: aceitar a preparação de Tawacã para pajé, determinação de seu irmão contra a qual sempre se opôs.
- Seu miserável, gritou Nahpy, deixando a praia em direção ao Estreito.
O grupo de Nahpy não conseguia se entender sobre onde ir quando chegou na beira do lago, já em território caboquena. Os rastros de Monawa se misturaram com os das outras pessoas que estiveram no local e agora era uma amálgama de marcas de pés impressos na lama seguindo em todas as direções, inclusive as dos rastreadores. Warypa, que fazia parte da expedição a mando de Taobara e por conhecer melhor o território, foi quem soube distinguir o rumo do fugitivo ao identificar entre tantas pistas a sola mais funda no chão, que só podia ser de Monawa, por estar carregando Tawacã nos braços.
Quando entraram na selva os rastros foram ficando mais nítidos, com galhos quebrados por onde passou o casal em fuga, uma vez que Tawacã ainda se debatia contra seu raptor. Mais o grupo não avançava com rapidez, retardado pelo efeito do caxiri que tornava as pernas dos guerreiros sem firmeza para caminhar com convicção. Eles avançavam aos tombos, muitas vezes parando e discutindo sobre qual direção seguir e procurando evidências mais definidas, embora se perdessem todos se um galho estalasse no meio do mato, ou um deles ouvisse a revoada de pássaros distantes, vinda de lados diferentes de onde estavam indo, sem se importar se esses sons fossem delírios causados pela bebida.
O pajé também não conseguia pôr ordem na turba de bravos, que caminhava com tanta algazarra quanto uma vara de queixadas, e facilmente se denunciaria caso chegassem perto de Monawa. Nahpy gritava com os homens, puxava Aiauara pelo braço exigindo um empenho maior na busca da irmã, mas o jovem guerreiro estava com seu pensamento ainda deitado na rede de Tananta e seus olhos ainda viam a enorme barriga da esposa em ponto de parir seu filho, por isso se descuidava na perscrutação das pistas e sua atenção desvairada seguia aonde iam todos. Nahpy queria o grupo mais célere, mas era impossível fazer ir mais rápido seus trôpegos rastreadores e, no desespero do pai em recuperar a filha, cujo destino já traçara, o pajé se distanciou dos demais guerreiros, pedindo somente a companhia de Warypa e do filho. Sozinhos, eles seguiram em velocidade na direção que levava os passos de Monawa.
Os três desgarrados do grupo caminhavam com mais rapidez, sentindo a distância entre eles e o fugitivo diminuir. As pisadas mostravam ter passado pouco tempo entre a impressão e a observação e Nahpy incentivava para irem mais rápidos, mas Warypa pedia moderação na busca, porque sabia das artimanhas de um guerreiro caboquena para despistar seus perseguidores, ainda mais com Monawa levando um sobrepeso em suas costas e suas marcas ficando menos profundas.
- Este guerreiro é ladino, disse Warypa ao pajé. Veja que o fundo de sua pisada já acumulou água e secou, isto quer dizer que ele já passou por aqui muito antes de raptar tua filha, explicou o guerreiro.
O pajé se mostrou apreensivo ao perceber que poderiam estar seguindo pistas falsas e deixou Warypa reencontrar o rastro do fugitivo sem querer apressá-lo. O rastreador procurou atento no chão, depois levantou os olhos até as árvores, seguindo a direção de cipós emaranhados, abriu as narinas em busca do ar expirado pelo fugitivo e por Tawacã e, de súbito, encontrou algo. Warypa percebeu um caminho mal trilhado, possivelmente de cutia, notou as folhas no chão levemente desarrumadas e então sorriu, não de felicidade por ter achado o caminho seguido por Monawa, mas ao constatar que mesmo sendo o seqüestrador sagaz em sua fuga, ele, Warypa, o rastreador de confiança dos caciques, era capaz de encontrá-lo.
Waripa mostrou a direção a seguir e os três se puseram em passo acelerado, pois estavam muito perto do fugitivo, no caminho da beira do lago. Esta nova pista significava que Monawa estava encurralado entre o Canaçari e seus perseguidores, embora Aiauara tivesse a impressão de estar caminhando em direção a alguma surpresa desagradável, por isso pediu cautela à esperança de seu pai. Até agora tinham encontrado enormes dificuldades em seguir o caboquena e parecia improvável o ardiloso fugitivo deixar-se capturar tão facilmente.
Os três chegaram numa praia e aí os pés de Monawa desenharam nitidamente as marcas na areia, até trás de uma árvore, de onde uma linha bem riscada indicava que ali houvera uma canoa, empurrada para dentro da água do lago e nela seguiram o caboquena e a filha do pajé. Nahpy caminhou até a beira e dali ficou olhando a imensidão do Canaçari a sua frente, de onde o sol nascia, levou os olhos a sua direita e só encontrou o espaço imenso no qual corria o rio Orowo, e sua outra margem onde se desenha o emaranhado de lagos e furos do Marupá, contemplou absorto o Estreito e sua passagem para o Sanabani e então se deixou cair na areia, na certeza de nada mais poder fazer e nem seguir ninguém.
- Eles têm agora todas essas águas para se esconder, afirmou Warypa ao pajé, que apenas sacudia a cabeça em desolação.
Aiauara segurou o pai pelo braço e o ajudou a erguer-se, sentido o corpo de Nahpy mais pesado do que nunca. Sua frustração caía-lhe sobre os ombros como toras de buritizeiros, incapacitando-o de adotar a postura com a qual sempre se exibia, de um homem seguro de seus atos e notável por sua sabedoria. O pajé aceitou a ajuda do filho e levantou o corpo alquebrado, colocou seu braço sobre os ombros de Aiauara e seguiu caminhando, com passos incertos, o olhar vago perdido nas árvores, o aspecto de defunto que era como se sentia, um morto, cujo espírito havia sido levado para longe de si, deixando apenas carne e ossos onde deveria habitar a chama da vida.
Depois encontraram o resto do grupo, ainda bebendo a sobra de caxiri no fundo da cabaça, na mesma algazarra de festa com que os três os haviam deixado para seguir o raptor de Tawacã. Eles pouco se importaram com o desfecho da caçada. Nahpy pediu que todos retornassem ao casamento e os índios receberam a ordem com júbilo, embarcando nas canoas com determinação que não tiveram na tentativa de capturar Monawa, mas o pajé não se importava com a falta de interesse por sua dor: esta deveria ser só dele. Tawacã era sua filha e o destino dela havia sido traçado por ele, por isso não era justo impor seu sofrimento aos demais, ainda sabendo que raptar a noiva engrandecia o guerreiro perante seus pares, mostrando determinação e valentia para enfrentar a fúria dos parentes ou do possível pretendente que ficou sem sua prometida. O próprio pajé havia tomado Xirminja à força dos caboquenas, enfrentando rivalidades do noivo descartado por muito tempo, mas soube ser reconhecido pelos parentes da mulher, assim como agora, no fundo de seu desgosto, desejava para Monawa ser honrado e merecer o perdão de Nahpy.
A festa de casamento transcorreu sem outro contratempo e em breve todos haviam esquecido do rapto de Tawacã, ficando no onirismo do caxiri e na abundância de comida. Os tambores tocaram forte por toda a noite, mesmo depois de terem se retirado da cerimônia Taobara e a esposa. E Cayabi se mostrara na plenitude da beleza, embora o banho tenha sido interrompido ao meio e o perfume nupcial conservasse ainda forte o cheiro do âmbar, uma vez que não chegaram nunca às flores de murici por causa da desgraça de Tawacã. Mesmo assim sua cabeça fora enfeitada com penas raras e a pintura de seu corpo recebeu a profilaxia do vermelho tirado do urucum.
O cacique se embriagou de vaidade, por estar casado com a mais bela das guanavenas, cujo cheiro entorpecia tanto quando o caxiri, mas ao contrário do efeito da bebida, não deixava sonolência, e sim uma excitação que somente os feitiços do pajé eram capazes de proporcionar. Taobara se despediu dos convidados quando a lua ainda não tinha percorrido nem metade do céu, mas era compreensível sua aflição em se deitar com a noiva e esta também se encontrava enfadada com tantas saudações de viva o cacique e viva Cayabi. De toda aquela multidão, ela era a única a manter seu pensamento em onde estaria, neste momento, sua prima Tawacã.
Taobara se deitou com a esposa para os primeiros amores, desfrutando da beleza juvenil, dos suspiros de Cayabi, de seus abraços confortáveis, de seu peito imponente, da rigidez das coxas. A jovem índia descobriu um guerreiro merecedor de honrarias e glórias, cujos músculos retesados suportavam suas unhas assim como já resistira às lanças do inimigo, e o calor de seu hálito queimava tanto quanto a lenha no crepitar da fogueira. Foram amores repetidos durante o resto da madrugada, mas ao amanhecer, extenuado ainda pelos exageros da carne, não passou despercebido o desconforto de sua esposa, parecendo embarcar em outro mundo nos intervalos da paixão.
- O que tanto te aflige? quis saber Taobara de sua esposa.
- É que de uma forma ou de outra, Tawacã acabou se casando primeiro do que eu.