MONAWA E TAWACÃ PASSARAM TRÊS DIAS FUGINDO INUTILMENTE, PORQUE A PERSEGUIÇÃO aos dois não durou nem uma tarde, mas o guerreiro caboquena estava preparado para enfrentar seu desafio, não apenas com coragem, como também com uma rota de fuga muito bem planejada, que envolvia pistas falsas e rastros plantados para desviar o caminho dos possíveis perseguidores. Ele havia observado os movimentos de Tawacã por todo aquele dia, sabendo que a jovem guanavena estava ajudando o pai nos preparativos do casamento de sua prima, por isso, logo ao desembarcar na ilha Saracá, com a comitiva de seu cacique Meyki, tratou de desvencilhar-se, furtivamente, até o Estreito, aonde chegou caminhando solitário pela mata. Encontrou várias canoas amarradas no trapiche e soltou a mais propícia para a escapada, indo com ela até a praia na qual Nahpy e seus bravos perderam as pistas dele. Retornou até o Estreito, atravessou o pequeno canal a nado, por baixo d’água, como um peixe, e se escondeu na mata.
Durante toda a tarde observou Tawacã em suas idas e vindas da casa de seus parentes, onde o pajé preparava o banho da noiva, tendo tido várias oportunidades de raptá-la, mas aguardava o melhor momento com paciência de bom caçador, se limitando a espreitar. Na primeira vez ficou tentado a dar o golpe quando a jovem se distanciou da casa para buscar água na beira do lago, mas estava distante do trapiche e muito próxima de todos. Monawa imaginou que com apenas um grito Tawacã alertaria a todos, e por isso desistiu da primeira investida. Seu coração pulsava igual quando antecedia as batalhas, mas desta vez era diferente: não o aguardava um inimigo feroz e armado com afiadas lanças, mas seu amor de sempre. Desde quando sentiu a maciez das mãos da guanavena em seu ferimento de guerra, nunca mais pensou em outra coisa senão no momento quando teria de fazer aquilo que estava, no momento, pronto para fazê-lo.
Outra vez Tawacã passou bem próximo a ele, mas lhe faltou coragem no momento de empreender o rapto. Ficou imóvel na mata, sem se importar com os mosquitos lhe ferrando ou as formigas lhe mordendo, procurando direcionar seus pensamentos para a missão que realizaria. Monawa lutara ao lado de Aiauara e sabia de sua bravura, conhecia também as mandingas e o poder de Nahpy de conhecer e adivinhar coisas, mas sua determinação não podia esperar, sabedor ainda de que o pajé dispensara vários pretendentes de sua filha e com certeza também iria rejeitar seu pedido.
Só lhe restava uma saída de ter como esposa a mulher desejada e para isso precisava de coragem e precisão no assalto. Ia chegar o momento de acabar os preparativos do casamento, então a oportunidade se mostraria, como sempre acontece entre caçador e caça. O sol já se inclinava para os lados do rio Orowo, anunciando a proximidade da noite, e cada vez mais o guerreiro se sentia excitado em seu esconderijo. Esteve a ponto de por tudo a perder quando viu a índia saindo da casa, procurando alguma coisa nos paneiros largados no pátio, e resolveu abordá-la ali mesmo, mas se conteve ao ouvir a voz do pajé chamando pela filha.
Logo depois viu um grupo de meninos rumando até a praia do Estreito, onde ficava o trapiche com as canoas, e isto o perturbou mais ainda. Fazia algum tempo que Tawacã não deixava o interior da cabana, embora sua voz chegasse nítida até o esconderijo onde ele estava. Então ouviu a ordem de Nahpy mandando a filha apanhar flores de murici, escutando até o detalhe de serem flores maduras, colhidas na hora.
Monawa vislumbrou a oportunidade e seus olhos brilharam quando Tawacã deixou a cabana e foi caminhando em direção à praia, levando uma cuia entre os braços e uma peconha, com a qual pretendia subir nas árvores. Ia sozinha, despreocupada, com os pensamentos voltados nas fórmulas que Nahpy preparava para aperfeiçoar ainda mais a beleza de sua prima. Chegou à praia e viu os meninos se banhando e sua vontade foi se juntar à criançada, mas tinha uma missão e precisava cumpri-la com urgência, sem atrapalhar os preperativos do perfume da noiva.
A jovem índia chegou aos pés de muricizeiro e quando iniciou a escalada um grupo de sauim fugiu em algazarra, fazendo um barulho que abafou todos os demais da mata, inclusive os passos ardilosos de Monawa. Ela atingiu as últimas galhas e iniciou a colheita das flores, enchendo em pouco tempo a cuia levada consigo. Depois realizou uma decida cautelosa, pisando de galho em galho, sem olhar para baixo, apenas usando o tato dos pés como guia. E quando se encontrava a pequena distância do solo então soltou o corpo num impulso para pisar na terra, mas não encontrou o chão como esperava, pois caíra nos braços de Monawa, causando-lhe mais estremecimento do que pavor.
O caboquena a recebeu com um sorriso, correspondido por Tawacã no primeiro momento, mas logo seu espanto se transformou em pavor quando viu Monawa correr em disparada até a beira do lago e pressentiu o pior. Naquele momento se deu conta de estar sendo raptada, como ouvira de tantas outras que tiveram a mesma sorte. Ela então largou a cuia e se pôs a pedir ajuda, mas o caboquena estava decidido e agiu com rapidez e antes mesmo de seus gritos suplantarem os dos macacos, ela já estava imobilizada no fundo da canoa pelas pernas do guerreiro e sendo levada a força ao outro lado do Estreito.
Atarefado no esforço de remar e segurar sua presa, Monawa afrouxou as amarras de suas pernas e Tawacã conseguiu se jogar n’água, mas outra vez a rapidez do caboquena frustou sua fuga, agarrando seus cabelos antes de tentar o mergulho. A guanavena foi içada de volta à embarcação e sua cabeça neste momento rodopiou em outro mundo, com a dor lancinante tirando por um tempo sua consciência e ela se deixou cair no convés, quieta como um peixe recém-pescado, buscando respirar um ar que lhe faltava.
Os meninos ainda nadaram em seu socorro, mas a veloz canoa escolhida por Monawa em pouco tempo pôs ambos do outro lado do Estreito, terra do caboquena, e ele a suspendeu em seus ombros e se embrenhou na selva, correndo desesperado para se afastar ao máximo da margem, enquanto Tawacã gritava e se debatia em busca da liberdade que os braços poderosos do guerreiro não lhe davam a menor chance de conseguir. Adiante, Monawa parou de correr a jogou Tawacã no chão, amarrando seus braços e pernas com envira previamente guardada, colocou algumas folhas em sua boca e a fez calar, depois rastejaram pela mata até retornarem a beira do lago, quando embarcaram em outra canoa e se esgueiraram pelo igapó, encoberto pelo silêncio da selva alagada, sem se importar com os murmúrios da índia raptada, cujos grunhidos não se faziam ouvir nem pelas aves sob sua cabeça.
Monawa remou sua canoa até sair da foz do Orowo e, quando se sentiu protegido pela penumbra da noite, empreendeu a travessia rumo ao Marupá, aonde poderia se esconder o tempo necessário de fugir da fúria dos guanavenas, que esperava ser implacável. Eles passaram a primeira noite em uma cabana usada em comum pelas tribos nas caçadas e pescarias. Tawacã foi desamarrada, mas conteve seu choro, sabendo ser impossível de ser escutado na imensidão alagada onde estava e com os ruídos da noite tão aterradores que seus lamentos pouco poderiam fazer para despertar a atenção de quem fosse. Até os tambores da festa chegavam aos seus ouvidos e ela esperou quieta a reação de seu raptor, mas Monawa estava esgotado pelo feito e apenas se deitou ao seu lado, no chão de tábuas de palmeiras, esperando o dia nascer, sem fechar os olhos e não deixar fugir a razão de sua vida, pela qual colocara em risco de morte, desafiando poderosos inimigos.
Eles passaram vários dias escondidos, esperando a noite se tornar mais escura com o retorno da lua a sua fase minguante. De dia perambulavam pela selva ou então descansavam a sombra dos igapós, com Monawa temendo agora não apenas a vingança de Nahpy, mas também um encontro inesperado com os muras. O ímpeto de fugir do caboquena levou o casal a terras distantes, até os lados do Canaçari onde vagueavam apenas os banidos, por se tratar de território de fronteira no qual guerreiros ferozes buscavam vestígio de inimigos para matá-los.
A vida no mato fora uma provação a Tawacã, há pouco saída da cabana das mulheres, onde purgou privações infinitas, mas agora estava no esplendor de sua beleza e forma física. Seu corpo se mantinha forte e a boa alimentação dos últimos dias deixou-a apta a enfrentar desafios mais severos. No entanto, a lida com a sobrevivência diária, a comida a base de frutas e raízes, o inferno de carapanã e a chuva inclemente minavam sua vontade de continuar viva, assim como a determinação de Monawa, que aos poucos foi perdendo o ímpeto de fugir e se entregou a tristeza, deitando ao lado da mulher de sua vida e dormindo a sono profundo, descuidando das amarras que prendiam Tawacã a ele.
Os dois foram perdendo a vontade de empreender a fuga dos primeiros dias, passando muito tempo deitados, protegidos da chuva apenas por folhas de palmeiras, que arrancavam e enterravam no chão, mas sem proteger-lhes da umidade. Monawa passou a ter febres constantes e no delírio se encontrava com Nahpy e seus feitiços. Também se sentia perseguido pelos muras e se imagina sendo devorado por eles. O casal estava alquebrado, já não encontrava mais comida com facilidade e a única coisa com que se alimentavam eram as bacabas abundantes nos alagados do Marupá. Em um raro momento de lucidez, o guerreiro caboquena soltou as amarras de Tawacã e pediu para ela voltar a sua gente e o deixasse morrer sozinho, condenado pela vergonha de não ter tido sucesso em sua empreitada de casamento.
Quando ficou livre de seu raptor, Tawacã assumiu a tarefa de sobreviver por seus próprios meios e salvar Monawa, cujas forças estavam tão diluídas em seu espírito que sua única vontade era morrer. Então a índia passou a buscar alimentos mais nutritivos, pescando com lanças, caçando com pedras e coletando frutas ricas em nutrientes para revigorar a si e ao caboquena, cuja saúde delicada já fora restabelecida outras vezes pelas mãos profiláticas da guanavena. Tawacã montou uma cabana mais ampla e assim evitou o tormento da chuva, forrou o chão com palha trançada e acendeu uma fogueira para assar o alimento. Ao sentir crepitar as labaredas o guerreiro ordenou para a índia apagá-la.
- A fumaça vai delatar nossa posição e em breve estaremos cercados por meus inimigos, balbuciou Monawa. Eles vão me matar.
- Tu vais morrer sem o calor da fogueira, argumentou Tawacã, por isso pouco importa qual morte te chegará primeiro.
O guerreiro era vencido pelos argumentos da índia e também aceitava com conforto os chás e infusões preparados por ela, comia com avidez o peixe assado nas chamas da fogueira, cujo calor invadia seu corpo e lhe dava vida nova. Em poucos dias Monawa recobrou as forças e sua vontade de casar com a mulher de sua vida se solidificou em seu peito. Ele queria ficar o resto de seus dias morando na tapera feita por Tawacã, que sempre acrescentava algo em sua mobília, como uma cuia para guardar algo que não tinham, ou tecia abano para quando o calor infernizava e os mosquitos estavam mais sedentos. A jovem índia ergueu paredes em volta da casa, arrumou o teto para aumentar a proteção e enfeitou com badulaques o pequeno lar. À noite, sob a imensidão das estrelas, o casal dormia com os corpos colados, um protegendo o outro, um aquecendo o outro, os dois querendo eternizar o momento quando descobriram serem dependentes deles mesmos.
Como não podiam viver sempre em fuga, Monawa resolveu ter chegado o momento de retornar ao seu povo. Mandou Tawacã desfazer a cabana e na mesma manhã seguiram no rumo das margens do rio Orowo, onde o caboquena tinha parentes e poderiam viver os primeiros dias de casados, protegidos da possível fúria dos guanavenas e dos feitiços de Nahpy. A caminhada foi longa, mas no terceiro dia percorrendo as margens do rio se depararam com uma aldeia caboquena e sua fama de fartura conhecida em toda região do Canaçari.
Monawa encontrou-se com os parentes, sem ter certeza de quantos dias passara em fuga, mas foi recebido com festas e lá escutou a notícia de que realmente os guanavenas o procuraram em todas as aldeias, acompanhados por guerreiros liderados pelo próprio Meyki, que prometeu recuperar a filha do pajé e deu ordem a toda sua gente de entregar o casal quando este aportasse em alguma aldeia. No entanto, os parentes de Monawa decidiram desobedecer a ordem de seu maioral porque entendiam como direito do caboquena raptar sua esposa, caso os parentes dela não quisessem aceitar sua proposta.
Contrariando o acordo entre os caciques, os caboquenas fizeram a cerimônia de casamento, mataram queixadas e bichos de casco, prepararam o caxiri e convidaram os parentes próximos e, desta forma, Monawa e Tawacã realizaram o matrimônio com júbilo. A festa se estendeu por vários dias e cada vez chegavam os amigos, convidados por outros convidados, até o próprio cacique se fazer presente, ordenando que as comemorações continuassem até o dia raiar. Ele também mandou buscar mais caças e peixes, que preparassem mais bolo de mandioca e servissem o caxiri em abundância e reafirmou, como um decreto, que todo caboquena tinha direito de raptar sua esposa, fosse de qualquer tribo e filha de quem fosse.
As notícias do casamento de Tawacã chegaram até a ilha Saracá e Nahpy exigiu do cacique uma expedição até o local da festa para recuperar sua filha, mas Taobara estava mais preocupado em aproveitar os dias iniciais de seu próprio casamento e não queria um conflito com os caboquenas, que inevitavelmente ocorreria caso fossem recuperar Tawacã. Isso prejudicaria seus planos futuros de reforçar a aliança e ser o principal líder do Canaçari. Taobara resolveu enfrentar a fúria do irmão e por isso argumentou que realmente considerava um direito do caboquena raptar sua esposa, até por força da tradição dos povos da região e fez o pajé lembrar de sua ousadia de rapaz, quando seqüestrou Xirminja, mesmo estando ela prometida a outro guerreiro.
O pajé entendeu não ter apoio de ninguém para tomar sua filha de volta quando viu até sua própria família recusando ajudá-lo na empreita, por isso aceitou como irreversível o casamento, mas selou o destino do genro com sua maldição. Ao retornar a cabana, Xirminja procurou confortá-lo, argumentando que o rapto era um direito dos guerreiros e uma atitude admirada, que conferia respeito a quem o praticava.
- Tu mesmo te tornaste valoroso quando me raptaste, disse a esposa do pajé.
- Mas minha filha tinha outro destino, contestou Nahpy.
- Não podemos também parir a sorte dos filhos, admitiu Xirminja, trazendo aos seus braços o pajé impotente diante de uma situação irreversível.
- Porém, ainda tenho meus artifícios e em pouco tempo Tawacã estará viúva, prometeu o pai, com poder reconhecido e temido na região.
Nas margens do rio Orowo, a animação se estendia diante de toda a tribo dos caboquenas, que não parava de comemorar o casamento do ousado guerreiro com sua bela esposa, filha do pajé Nahpy, o mais poderoso dentre os conhecedores dos segredos da selva, a quem até os anciãos buscavam conselhos. Tawacã passou a ser tratada como um troféu, um amuleto de boa sorte a toda gente do Orowo e também sabedoria. Era sabido por todos que seu pai a treinara para ser a detentora do conhecimento e ela demonstrava total capacidade de assumir seu papel.
Mas durante as comemorações, ninguém percebeu um tremor no peito de Monawa, no exato momento em que o Nahpy lançara seu vaticínio contra o raptor de sua filha. Ao guerreiro nubente não passou de um sintoma tardio de suas febres recentes, por isso se deixou levar pelo som dos tambores e dançou acompanhando dos outros bravos, com o corpo pintado de vermelho. Seus pares queriam uma comemoração tão grande quanto fora a do cacique guanavena.
A festa se estendeu por dias, mas chegou ao fim, então os convidados retornaram aos afazeres, cada um de volta a sua aldeia e, no entanto, Monawa preferiu ficar mais uns dias com os parentes. Queria enfim a satisfação de homem casado. Ele recusou convites de se estabelecer em diversas comunidades dos caboquenas, que queriam dividir com o guerreiro a sorte de uma esposa sábia, e a todos fez ver que seu destino era na aldeia Maquará, a maior dos caboquenas, sob a ordem de Meyki, participando dos destinos de sua gente e pronto a oferecer sua coragem em lutas contra os inimigos.
Monawa explicava sua vontade de passar uns dias com os parentes, ensinando Tawacã os costumes dos caboquenas e mostrando quão farto era a região do Orowo. Queria ao final da tarde embarcar em sua canoa e explorar os canais da região e, no início da madrugada, retornar com os tucunarés com o qual faria a primeira refeição do outro dia, junto com sua esposa. O guerreiro sonhava com longas caminhadas pelas praias, catando frutas de temporadas e de vez em quando um amor na areia para gerar filhos saudáveis. Queria esquecer os dias de fuga, quando quase desistiu de tudo e esperou a morte, mas fora salvo por Tawacã, que curou suas febres, o alimentou com cuidado de mãe e esposa e passou a amá-lo.
Os dias foram desta forma, o casal saía nas primeiras luzes do sol em busca de algo para fazer, muitas vezes indo ao roçado, onde Monawa se deitava sob uma sombra enquanto sua esposa cuidava de colher mandioca, junto com outras mulheres. Tawacã aprendia o modo dos caboquenas de arrancar das raízes o veneno mortal, cuidando de recolher o caldo e dele fazer tucupi. A jovem guanavena retornava à aldeia, enquanto seu esposo corria com outros bravos em pescarias e caçadas, então ela ajudava no preparo de bolos feitos com a massa de mandioca, prestando atenção demasiada na forma como condimentava o alimento e o levava ao fogo, sentido o aroma das ervas ardendo nas chamas, querendo de tudo aprender e dar sua opinião sobre a melhor forma de fazer.
As mulheres lhe dedicavam atenção redobrada, igualmente por desconfiança como por respeito à sua sabedoria. Desconfiavam que a índia se sentiria tentada a fugir de volta a sua tribo quando os olhos do esposo e dos parentes não a tivessem vigiando. Mas reconheciam nela um saber muito acima ao de outras mulheres e assim a veneravam. Sabiam que aquela jovem, há bem pouco tempo saída de seu rito de passagem para o mundo dos adultos, estava destinada a ser detentora dos mistérios de sua tribo, uma distinção que nunca, nenhuma delas, imaginou para si.
O casal estava feliz na nova vida e os dias se passavam com a rapidez de bons momentos, aproveitando cada instante de sossego na imensidão do Orowo, nos primeiros banhos da manhã, na refeição farta junto com os parentes e na segurança de que Nahpy amenizara sua ira e não mais desejava vingança. Monawa saía para caçar e quando retornava encontrava a esposa enfeitada com flores silvestres, usando a guirlanda que não pode vestir quando fora raptada, untada de essências perturbadoras que ela mesma preparava com óleos e folhas da floresta. Também estava receptiva aos carinhos do esposo, suspirando de amores quando o via chegar na praia, remando sua canoa abarrotada de peixes e caças.
Um dia Monawa decidiu haver chegado o momento de retornar a sua tribo e anunciou para Tawacã quando os dois deitavam na rede. A índia recebeu a notícia com desagrado, porque o tempo com os parentes a seduzira de tal forma que já se sentia como nascida nas margens do Orowo. No entanto, estava resolvida a seguir o marido, como devotada esposa, por isso não contestou e simplesmente se dispôs a arrumar sua bagagens de recém-casada, embarcando tudo na canoa que a levaria até a grande aldeia dos caboquenas, onde Tawacã nunca estivera. Ela se viu ansiosa para chegar ao Maquará, imaginando viver ali o resto de sua vida, cuidando dos filhos e do marido e participando das atividades da comunidade. Levava consigo a experiência de muitas lutas ao lado do pai na cura dos feridos de guerra e seu conhecimento dos mistérios da antiga tribo.
- Acho que serei feliz, falou aos parentes quando se despedia deles, nas margens do rio Orowo.
Todos desejaram sorte sincera ao casal, e então Monawa assumiu o comando de sua canoa e empreendeu a viagem de volta à terra natal. Era uma navegação difícil, mesmo estando protegidos pelos primeiros raios do sol. Em pouco tempo encontrariam pela frente dois adversários difíceis de vencer: a correnteza e os ventos contrários. Seria preciso se proteger de ambos entre os igapós, em curvas longas, mas necessárias. Parando para descansar e dormir, o casal passaria pelo menos três dias subindo o poderoso rio dos caboquenas.
Ao final da segunda noite rio acima o dia clareou com intrépidos de ruídos e Monawa se sentiu em casa, reconhecendo no horizonte o brilho do amanhecer em sua terra e a música dos pássaros. O guerreiro estava mais animado porque a aproximação de sua aldeia o fazia se sentir seguro contra os perigos do mundo. Ele então recolocou os pertences na canoa e mostrou a Tawacã o resultado de seu trabalho da noite anterior.
- Ponha este colar, quero-te usando ele quando chegarmos em minha aldeia, disse Monawa a esposa, com orgulho exacerbado.
- É lindo, sussurrou Tawacã. Todo cravejado de penas.
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