segunda-feira, 4 de julho de 2011

Capítulo 8 - Tocaia dos Mortos

          QUANDO OS GUERREIROS RETORNARAM À ILHA SARACÁ FORAM RECEBIDOS por toda a tribo guanavena, deslocada até a praia para homenagear os bravos na volta das grandes batalhas contra os muras. Xirminja foi quem primeiro avistou as embarcações dobrando a Ponta Grossa, impulsionadas pelo vento soprando em direção da ilha e agitando as águas do Canaçari. Não era a mesma quantidade de canoas da partida, mas traziam outras rebocadas, nas quais os montes cobertos por palmas não deixavam dúvidas de se tratar dos corpos dos motos. A mãe de Aiauara correu até a praia, chamando outras mulheres para receber os guerreiros, mas quando se encontrava pisando nas águas, junto com as crianças, ao seu lado se colocou Nahpy, também aguardando ansioso por notícias sobre o destino do filho que lutara na guerra.
         - Lá vem meu Aiauara, remando na frente, disse aliviada Xirminja, colocando seu corpo junto ao do esposo.
         Ela o reconheceu muito antes do rosto dele se tornar definido, entre os tantos pontos escuros na claridade do lago. Os cabelos de Aiauara estavam soltos, por isso esvoaçavam ao vento, mas as águas do banzeiro davam-lhe um aspecto sereno que não tinha quando partira. Na mesma canoa vinha também Pikiwaha, mas Pajuari não fazia mais parte da formação, estava morto, deitado junto com os demais guerreiros tombados em combate. As mulheres não esperaram as canoas tocarem na praia e foram ao encontro delas nadando, seguraram em suas bordas e ajudaram os remadores a conduzir as embarcações até a areia.
         Logo o desespero tomou conta da praia, com as mulheres reconhecendo seus filhos, maridos e irmãos entre os mortos empilhados nas canoas. A mãe de Pajuari, Uruwe, debruçou-se sobre o corpo do filho e expôs seu sofrimento num grito plangente. Outras mulheres se lamentavam da má sorte de seus entes queridos, que as armas dos muras haviam ceifados. Então Xirminja se aproximou de sua irmã Uruwe para consolá-la pela perda do filho, mas esta não recebeu com satisfação seus afagos.
         - Não tente na trazer consolo, minha irmã, porque teu filho vive, enquanto o meu está morto, respondeu Uruwe para Xirminja.
         Aiauara tentou dizer a tia que o primo lutara com bravura, resistindo por muito tempo na linha de frente contra os muras e matando diversos inimigos com sua arma poderosa, mas a mulher não queria entender porque só dava razão ao seu sofrimento, enquanto trazia no colo o corpo do filho. Nahpy também se aproximou do grupo, trazendo consigo Malepxi, que fora ferido na guerra, mas sem gravidade. O guerreiro pegou a mulher pelo braço, tentando levantá-la do chão, mas não conseguiu tirar de seus braços o corpo de Pajuari. Uruwe continuava a chorar e alisar os longos cabelos do filho, impregnado de sangue. Nahpy lhe dirigiu umas palavras de consolo, mas a mãe em desespero olhou o pajé e sem nenhum respeito o cobriu de impropérios.
         - Teu feitiço só serviu para salvar Aiauara, disse Uruwe a Nahpy. Tu não querias meu filho vivo, porque não desejava vê-lo casado com Tawacã. Tu és o responsável pela morte dele.
         Malepxi, o marido, mandou a esposa se calar, mas Uruwe ousou desobedecê-lo. A mãe queria despejar seu ódio contra aqueles a quem julgava culpados por Pajuari ter sucumbindo em sua primeira batalha. Para ela, a fumaça lançada sobre seu filho não tinha o mesmo poder da que o pajé lançara sobre Aiauara, por isso Pajuari morrera. Malepxi sentia a contrariedade no rosto de Nahpy. Via seu parente ser acusado injustamente, então apelou ao fato de sua esposa ser de outra tribo e não compartilhar, como eles, o sangue guanavena.
         - Não leve em consideração as palavras de Uruwe, parente! disse Malepxi ao pajé. Não te esqueças que ela é caboquena.
         - Minha esposa também o é, respondeu Nahpy. Já te esquecestes que ambas são irmãs.
         - Mas Uruwe acaba de perder o filho amado, lembrou Malepxi.
         - Este é o preço a ser pago pela guerra, como bem nos alertou o velho Itaúna, comentou o pajé.
         Taobara se aproximou do grupo e disse a todos os presentes na praia que Pajuari morreu defendendo a honra guanavena, sendo valoroso no combate, lutando com coragem e dedicação.
         - Foi um verdadeiro guerreiro, proclamou Taobara. Lutou sob meu comando e morreu enfrentando o inimigo, por isso deve ser lembrado com honra, porque é assim que morre um bravo.
         Depois Taobara se dirigiu aos outros grupos que também pranteavam seus mortos e em todos distingiu a coragem, a bravura e a honra do guerreiro. Em seguida, ordenou os preparativos do funeral coletivo, porque não adiantava chorar o tempo todo por aqueles que deram suas vidas na defesa do território sagrado. O cacique mandou conduzir os feridos de todas as tribos até a cabana de cura de Nahpy, dando ordens especiais para o preparo do corpo de Uataçara, o maioral dos caboquenas, morto na luta. Ele mesmo desejava levá-lo até sua aldeia, acompanhando os guerreiros sobreviventes e homenagear o distinto cacique.
         Entre os caboquenas sobreviventes estava Monawa, recuperado da luta com bravura, mas ferido sem gravidade e pronto para assumir seu lugar na canoa que transportaria o corpo do seu cacique. Ele empunhava o remo com determinação, embora estivesse a ponto de trair seu desejo ao procurar outra vez a jovem filha de Nahpy, encarregada de preparar os remédios com os quais curaria os feridos em combate. Monawa observou Tawacã e a viu na plenitude de sua formação de mulher, faltando muito pouco para despertar em outros bravos e desejo de desposá-la. O próprio Taobara deu a ordem para iniciar a viagem rumo à aldeia Maquará, no rio Orowo, quando o caboquena pela última vez perscrutou a praia em busca da amada e a encontrou junto com as outras mulheres, chorando sobre o corpo inerte de Pajuari.
         Monawa remava com determinação a canoa fúnebre com o corpo do cacique e ia pensando, ora em Tawacã, ora em Uataçara. Suas recordações o instigavam a ter coragem para pedir Tawacã em casamento ao pajé dos guanavenas, ao mesmo tempo suas preocupações se dirigiam ao futuro de sua gente, depois da morte de seu maioral. Monawa pensou também no irmão e no primo, que não foram vingados com a devida punição aos inimigos e estes ainda deixaram sua tribo privada de comando.
         Taobara se fez acompanhar de Jauaraçu até a aldeia caboquena e quando lá chegaram fez questão de enaltecer a bravura do cacique morto, exortando seus guerreiros a vingar a morte do líder. O maioral guanavena participou ainda no conselho dos anciãos da tribo e endossou com satisfação a escolha de Meyki como o novo cacique dos caboquenas.
         - Eu lutei ao lado de Meyki e conheço seu valor nas batalhas, disse Taobara aos anciãos caboquenas. A escolha não poderia ter sido a mais acertada.
         Taobara, Jauaraçu e Meyki fumaram o cachimbo dos chefes e reafirmaram a aliança de seus povos e o desejo de continuar a campanha contra os muras. Os três chefes sabiam que o ataque à aldeia dos inimigos não seria perdoado e eles logo viriam com retaliação. Assim não restava outra opção a não ser se preparar para a guerra, mas desta vez na defensiva.
         Em seguida aos funerais dos mortos, a rotina voltou às aldeias aliadas, mas uma tensão pairava no ar. O ataque mura era esperado e iminente, por isso Taobara mandou seus bravos vigiarem a Ponta Grossa, de onde tinham visão privilegiada do paraná de Itapiranga e também porque dali esperavam vir as canoas inimigas para atacar a ilha Saracá. Esperou muitos outros até ser vencido pela apreensão e resolveu mandar um grupo de guerreiros, em missão de espionagem, ao grande rio Amarelo, sem Waripa, seu homem de confiança, em convalescença pelos ferimentos sofridos na última batalha. Esperou remoendo-se em agonias até a lua completar todas as suas fases e perdeu totalmente a esperança de conseguir qualquer informação quando viu outra vez o astro ir minguando até desaparecer no céu, depois a viu surgir outra vez no início da noite, e quando ela novamente despontou cheia no horizonte, sem seus guerreiros retornarem à aldeia, então os deu como mortos.
         O desaparecimento dos bravos confirmou a desconfiança de Taobara a respeito dos muras estarem se aproximando da ilha e oferecendo perigo ao povo. Os guanavenas, no momento, não eram mais uma força guerreira imponente e seu cacique não tinha tanta certeza na capacidade dos aliados repelirem um ataque em massa dos inimigos do grande rio Amarelo, senhores de grandes territórios e afamados pela forma como aniquilavam seus inimigos. Taobara não temia a própria morte, mas se atormentava diante da possibilidade de ver seu povo escravizado. Seria uma desonra pessoal dele diante dos ancestrais, que o concederam a glória de liderar seu povo e, sob sua proteção, terem perdido o território tão bravamente conquistado.
         Era preciso negociar com o inimigo e Taobara sentia a necessidade de mandar um emissário ao encontro dos muras para evitar um confronto no qual ele sabia não ser capaz de vencer. O cacique reuniu o conselho dos anciãos para comunicar sua decisão e a maneira pela qual pretendia conquistar a paz com os muras. A princípio, suas palavras foram recebidas como rendição humilhante, mas depois os próprios membros do conselho sentiram não haver outra opção para aplacar a fúria vingativa dos adversários, perigosamente próximos da ilha Saracá.
         - Para mostrar minha determinação em fazer a paz, minha filha Mauri também fará parte da comitiva que oferecerá o acordo aos muras, disse Taobara, procurando incentivar os anciãos a aderir à sua idéia.
         - Minha filha não servirá de dote para aplacar a vingança dos muras, afirmou Nahpy, declarando que Tawacã teria outra sorte. Se for preciso, que os guerreiros façam o sacrifício, mas devemos poupar nossas mulheres.
         Taobara não pretendia polemizar com seu irmão Nahpy, porque estava ciente de sua proposta causar indignação entre os guanavenas, mas era inevitável fazer um acordo com os muras, por isso chamou Nahpy para perto de si e explicou seu plano.
         - Tawacã ainda não pode desposar ninguém porque é impúbere, por isso será poupada do sacrifício, disse Taobara.
         Mas Nahpy pensava também nas diversas jovens que seriam oferecidas em dote aos muras para eles não atacarem a aldeia guanavena, e nos acordos de casamentos feitos entre as famílias, agora em risco de serem desfeitos por motivo da falta de mulheres. No entanto, Taobara também já havia pensado a este respeito a apresentou a solução ao pajé.
         - Mandaremos aquelas cujos maridos morreram na guerra e também quem não tem marido nenhum prometido, declarou o cacique.
         O ancião Içami, novo chefe do conselho em substituição de Itaúna, alertou ao cacique sobre a possibilidade de os muras se sentirem logrados com a oferta e aumentarem ainda mais seu desejo de vingança.
         - Neste caso, só nos restará a morte, alertou Taobara.
         A decisão foi tomada e quando se anunciou à tribo muitas famílias protestaram, mas seus lamentos foram inúteis. A proposta estava referendada pelo conselho dos anciões, com a anuência de Nahpy e o endosso de Taobara, cuja filha foi a primeira a ser levada ao centro da taba, como exemplo de desprendimento do maioral guanavena. Mauri trazia no rosto a altivez exigida para o momento, mas seus olhos traíam a firmeza ao deixar transparecer o desespero escondido em seu espírito, que adivinhava dias sombrios a ela e as outras jovens, agora colocadas ao seu lado, todas assustadas com a perspectiva de serem oferecidas aos inimigos de sua tribo. Foram colocadas em grandes canoas e seguiram em direção à Ponta Grossa, enquanto suas mães soluçavam na praia, com alguns bravos escoltando-as até ao encontro dos muras, como prendas para solucionar um problema criado pelo espírito belicoso de seus pais e maridos.
         A caravana de mulheres seguiu pelo paraná de Itapiranga até encontrar os muras na foz do Jauara. Eram centenas de canoas guiadas por braços determinados a desembarcar na ilha Saracá e perpetrar a vingança contra os guanavenas, seguindo depois até às aldeias dos caboquenas e dos bararurus, só deixando em paz as terras do Canaçari quando as tribos aliadas estivessem dizimadas. Os muras se surpreenderam com a oferta, mas o cacique deles aceitou negociar com os aliados, desde que dobrassem o número de mulheres oferecidas, enviando até mesmo as impúberes e as com compromisso assumido de casamento. Esta proposta obrigava os aliados a se desfazer de suas mulheres, colocando em risco a própria sobrevivência da tribo, com poucas mães a gerar filhos necessários ao crescimento das gentes.
         No entanto tiveram de aceitar os termos de negociação do cacique mura, que exigia ainda boa parte de caça e de pesca para a viagem de retorno e muitos cestos de mandioca para compensar as perdas sofridas com a invasão da aldeia nas margens do grande rio Amarelo. Quando a notícia das exigências dos muras chegou ao conhecimento de Nahpy, imediatamente ele procurou Taobara para comunicar que sua filha não seria entregue aos muras como barganha da paz.
         - O sacrifício é para todas as famílias, disse o cacique guanavena ao pajé.
         - Mas minha filha não será usada para restaurar a paz que tu destruíste, afirmou Nahpy a Taobara. Tu fizeste a guerra, agora morra para conquistar a paz.
         Os dois líderes guanavenas não chegaram a um acordo, então Taobara ameçou Nahpy e toda a sua família de banimento da tribo caso Tawacã não fosse levada aos muras.
         - Não entregarei minha filha e nem serei banido, vociferou o pajé. O meu poder supera o teu, tanto em força quanto em honra.
         Taobara não pode argumentar com o pajé, por isso aceitou a decisão de Nahpy e se retirou da cabana. Quando chegou no centro da taba, chamou alguns de seus bravos e os mandou irem até as aldeias dos aliados relatar aos caciques os termos do tratado de paz com os muras, pois suas vidas dependiam da quantidade de mulhere oferecidas aos inimigos. Os emissários embarcaram nas canoas e foram transmitir as informações de Taobara e os outros caciques. Eles, também levados pela necessidade de selar a trégua com os inimigos, enviaram canoas repletas de belas jovens, que se juntaram na aldeia dos guanavenas e depois foram oferecidas de presente aos muras, agora parados nas praias da Ponta Grossa, esperando pelo acerto final do acordo. Eles receberam de bom grado as belas gentes das terras do Canaçari e então recuaram suas canoas, voltando para o grande rio Amarelo com o dote raro de uma guerra vencida sem batalha alguma.
         O custo da paz com os muras foi elevado e trouxe problemas às aldeias. Embora muitos guerreiros tivessem caído no campo de batalha, aos sobreviventes não restou muita escolha de casamento, pois a maior parte das jovens e belas mulheres estavam agora vivendo nas aldeias dos inimigos. No entanto, a notícia de que a filha mais velha do cacique guanavena escapara do dote aos muras se espalhou rápido entre as aldeias aliadas e chegou alvissareira aos ouvidos de Monawa, neste momento já recuperado das feridas da guerra recente. O caboquena renovou seu amor, que julgava perdido para sempre, e alimentou com nova lenha a fogueira da esperança de um dia desposar a bela guanavena, que se tornava mais mulher a cada vez que seus olhos de guerreiro se punham sobre ela.
         Mas Nahpy não tinha tanta esperança de encontrar uma jovem para desposar seu filho Aiauara, que chegara a idade de casamento com sua prometida entregue aos muras por força de um tratado de paz. O pajé então resolveu visitar as gentes das outras tribos, mas não encontrou entre os parentes de sua mulher, na aldeia caboquena, uma jovem de boa idade e em condições de desposar o guerreiro Aiauara. Nas outras aldeias, mesmo as mais crianças, que não embarcaram na oferenda aos muras, já estavam comprometidas com outros pretendentes. Nahpy foi à aldeia bararuru e lá também não teve melhor sorte, embora uma jovem viúva, de um só filho, cujo esposo tombara na defesa da aldeia inimiga conquistada na última guerra, fosse a melhor promessa ouvida em sua peregrinação.
         O pajé retornou à ilha Saracá e comunicou o fato à família. O guerreiro Aiauara não se mostrou satisfeito com a escolha do pai: em seus planos não estava a sorte de se casar com uma viúva, mulher que já fora de outro homem e com um filho para criar.
         - O filho dela será entregue à família do morto, explicou Nahpy a Aiauara, este é o costume entre os bararurus.
         Mas o jovem se mostrava reticente em não aceitar a escolha do pai, embora o pajé explicasse que o momento era diferente, com poucas mulheres em idade de casar, e além do mais a viúva era nova, pois apenas se casara e seu marido partira para a guerra. Aiauara lutara na mesma batalha, também na condição de estréia, mas sobreviveu e mostrou seu valor de bravo, conquistando assim o direito de constituir família. Ele se achava merecedor de melhor escolha, como a jovem caboquena por quem esteve interessado, mas agora estava vivendo com os muras, desposada do inimigo. O guerreiro guanavena não estava disposto a viver a aventura de raptar a amada na aldeia mura e assim vivia seu impasse, e de forma alguma queria se casar com uma viúva.
         Nahpy o obrigou a aceitar a prometida e Aiauara casou com a jovem, que recebeu o nome guanavena de Tananta, indo viver na aldeia do novo marido, na taba dos pais dele. No início, Aiauara não quis dividir a rede com a mulher, rejeitando-a por ela ter pertencido a outro homem, mas com o tempo foi descobrindo os encantos da índia, que todas as tardes tomava seu banho e se adornava com flores, coroando-se de arranjos para realçar sua beleza. Tananta também ouvia os conselhos de Xirminja, para usar água com folhas de pau-rosa, cujo perfume inebriava a cabeça dos homens, e para todas as noites untar os cabelos com óleo de andiroba, e assim aumentar seu cheiro de mulher fértil.
         O tempo foi vencendo as resistências de Aiauara, cujo olhar perscrutador ia descobrindo virtudes no corpo da esposa, como seu andar saltitante que punham seus pés mais em contato com o ar do que com o chão. Tananta também tinha olhos escuros como uma noite nas selvas e seus seios ainda não traziam marcas de um dia terem amamentado. Sua pouca idade também estava preservada nos risos esporádicos que compartilhava com a nova família, mas foi seu acento no falar a nova língua que deixou o jovem guerreiro guanavena interessado em compartilhar sua vida com a esposa imposta por determinação paterna.
         Enquanto vivia a angústia de descobrir-se amando alguém a quem desejava odiar, Aiauara foi mandado por Nahpy para apanhar as flores que enfeitariam a irmã durante o banho na casa das meninas. Tawacã atingira a idade de esperar a menarca em companhia das outras garotas de sua idade. Nahpy recomendou ao jovem guerreiro remar a canoa em direção às praias que recebiam as águas do rio Orowo, onde crescia o tajá especial para se fazer o arranjo com o qual as meninas eram levadas para a casa da espera. Aiauara já estava com o remo e as armas nas mãos quando Xirminja recomendou ele levar também a esposa, para Tananta poder tomar conhecimento das flores usadas pelos guanavenas nos seus rituais.
         Aiauara guardou o leve sorriso, entendendo as razões de sua mãe o ter lembrado de levar a esposa às praias pouco freqüentadas. Tananta pegou outro remo, decidida a obedecer a velha mulher que conhecia tantos segredos, não apenas por ser esposa do pajé dos guanavenas, mas por ser mulher e conhecer os instintos femininos, cujas entranhas percebiam mais que os olhos dos guerreiros. O jovem casal rumou em buscas das flores, mas quando desembarcaram nas praias cuja areia recebia as águas vindas do rio Orowo, não foi mais possível esconder o desejo de ambos e eles se entregaram aos prazeres do casamento, entre os barrancos e as árvores abarratodas de tantos pássaros que mal se podia ouvir os gritos dos amantes.
        Aiauara e Tananta voltaram a sua aldeia no início da noite, trazendo os ramos que enfeitariam Tawacã na cerimônia.

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